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Artigo: O desafio do investimento seguro nas criptomoedas

28 de abril de 2022

Por Valdir Coscodai

No contexto das mudanças promovidas pela tecnologia, as criptomoedas ganham destaque como opção de investimento. Quando a primeira delas, Bitcoin (BTC), começou a ser negociada em 2009, valia nove centavos de dólar. No fim de 2021, US$ 46.306,45. De janeiro a dezembro de 2021, por exemplo, o BTC apresentou um retorno positivo de mais de 59%, ante um retorno negativo de 12% do Ibovespa para o mesmo período.

As criptomoedas foram idealizadas para que se pudesse transacionar dinheiro sem o envolvimento de bancos centrais e instituições financeiras, reduzindo-se os custos das operações, por meio de uma tecnologia segura, com criptografia, como proposto pelo blockchain, que dificulta fraudes e impossibilita que um ativo seja negociado simultaneamente mais de uma vez. As transações são realizadas e validadas por senha pessoal, chamada de chave privada, que possibilita certo nível de anonimato, pois os registros não são vinculados diretamente a uma pessoa física ou jurídica.

As preocupações devem-se à emissão sem lastro fiduciário e envolvimento das autoridades monetárias, anonimato e ao fato de as criptomoedas, durante muito tempo, terem sido associadas a negócios obscuros. A China, por exemplo, já proibiu operações que não sejam emitidas por seu banco central. No Brasil, as transações não são ilegais, mas carecem de monitoramento, pois não são reguladas pelo Banco Central e não se enquadram na definição de valores mobiliários passíveis de supervisão pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Existem projetos de lei que visam regulamentar as corretoras que transacionam criptomoedas e criar um marco legal.

O PL 2303/2015, aprovado em dezembro último pela Câmara dos Deputados e encaminhado ao Senado, contém definições sobre quais ativos seriam abrangidos pela legislação. Prevê, ainda, a regulamentação e supervisão por órgão regulador indicado pelo Poder Executivo e a inclusão de fraudes ligadas a ativos virtuais no Código Penal. No Senado, também se avalia a criação de um marco legal de criptoativos.

Apesar da inexistência de regulamentação formal, a CVM, no Ofício 11/2018, permitiu que fundos regulados pela Instrução Normativa 555 (que está com proposta de alteração em audiência pública) invistam indiretamente em criptoativos, por meio de transações no exterior. Hoje, quando o fundo é aberto para o público, a exposição em ativos no estrangeiro é limitada a 20%, mas a proposta em discussão visa ampliar essa margem, respeitando determinados requisitos.

A CVM, no ofício que permitiu o investimento indireto em criptomoedas, destaca o papel da auditoria independente no processo. Espera-se que ela seja capaz de realizar diligências adequadas com relação a criptoativos detidos pelos fundos, e há um desafio adicional: como conduzir nesse caso uma auditoria que aumente a confiança do usuário da informação e proporcione segurança razoável de que as demonstrações estejam livres de distorção relevante?

Apesar de a criptografia garantir segurança nas informações, a titularidade é uma questão delicada de se comprovar, e não há autoridade monetária ou instituição financeira para checar o saldo e a propriedade das criptomoedas. Até mesmo a forma de contabilizá-las gera discussão. A International Financial Reporting Standards Foundation (IFRS) avalia que, em várias situações, as criptomoedas tendem a se enquadrar como ativos intangíveis, a não ser quando colocadas à venda no curso ordinário dos negócios. Isso poderia levar a uma classificação utilizando as normas contábeis aplicáveis aos saldos de estoques. Nas normas de auditoria ainda não há orientação específica do International Auditing and Assurance Standards Board (IAASB).

A governança em empresas que operam com criptomoedas é de extrema relevância, pois a posse da chave privada é o que garante a propriedade. A organização deve garantir a proteção e responsabilidade de transacioná-la em benefício dos acionistas e investidores. Os trabalhos de auditoria para analisar e certificar a existência desses controles não é tão habitual quanto em outros ativos. O auditor precisa entender, avaliar e validar a qualidade e eficácia dos controles internos de proteção durante todo o ciclo de vida de tais chaves para concluir se os riscos são adequadamente gerenciados.

Outra questão é que, ao mesmo tempo em que o auditor deve certificar-se da existência das chaves privadas e de seus controles, não pode acessá-las, pois o conhecimento do código por terceiros pode ferir a confidencialidade e gerar riscos para a empresa auditada. Apoiar-se na tecnologia para a criação de sistemas que consigam examinar transações registradas nas carteiras virtuais sem comprometer a confidencialidade e segurança dos ativos pode ser necessário para aumentar a confiabilidade das informações, acrescentando mais uma camada de complexidade na auditoria.

Para o planejamento da auditoria, é indispensável que o profissional entenda os riscos inerentes, os controles relacionados a esses ativos e os julgamentos associados ao reconhecimento e mensuração. Em artigo acadêmico publicado em The International Journal of Digital Accounting Research, os autores destacam a importância de se contratar especialistas para verificar aspectos intrínsecos às criptomoedas, o que pode elevar os custos dos serviços.

Os auditores independentes brasileiros vêm desenvolvendo ferramentas e procedimentos consistentes. Com educação continuada e corpo técnico cada vez mais especializado, capacitam-se para atender às expectativas da sociedade com eficácia e ética, em sintonia com o interesse público. O Ibracon – Instituto de Auditoria Independente do Brasil preza pela competência da profissão e atualização contínua em temas sensíveis. Conta com um Comitê de Tecnologia e Inovação e Grupos de Trabalho, para discussão de temas relevantes, além de promover discussões com especialistas sobre criptomoedas e blockchain.

É essencial que o investidor entenda os riscos de mercado e as volatilidades inerentes aos ativos investidos. A auditoria independente contribui para aumentar o grau de confiança nas informações contábeis apresentadas nas demonstrações financeiras da entidade auditada. É vital que, além da análise do relatório de auditoria e de conhecer a reputação dos administradores e gestores, os investidores tenham consciência de que suas aplicações estejam em linha com o seu perfil e entendam os riscos em investir em um mercado cheio de oportunidades, mas ainda com muitas incertezas.

Valdir Coscodai é Presidente da Diretoria Nacional do Ibracon – Instituto de Auditoria Independente do Brasil.