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Artigo: Ética em tempos de tecnologia

21 de dezembro de 2021

Por Valdir Coscodai

Big data, Inteligência artificial, Webscrapping e Deep learning são palavras presentes na hype nos últimos tempos. Não é para menos: em diversos filmes dos anos 80 e 90, o Século 21 era retratado com carros voadores e tecnologias muito avançadas. Exageros à parte, a sociedade conseguiu evoluir em muitos sentidos, tal como os veículos autônomos, reconhecimento facial, internet das coisas e um avanço nos sistemas e processamentos computacionais, que permitem coletar e analisar milhões de dados em nanosegundos, em processadores cada vez menores.

A análise quase instantânea de dados e informações são a força motriz de diversas novas tecnologias relacionadas a data analytics. Tal disponibilidade e o acesso a dados têm transformado a relação de trabalho de diversas profissões. Com a contabilidade, são inegáveis a agilidade e o dinamismo gerados por métodos e softwares cada vez mais responsivos e dinâmicos.

Na auditoria independente, se a empresa auditada apresentar tecnologia compatível em ser utilizada pelo auditor, pode permitir que todos os dados sejam disponibilizados para análise. Assim, o trabalho pode basear-se na totalidade dos dados e não apenas em amostragem, e utilizar tecnologias como Big Data e ferramentas de data analytics para verificar indícios de distorções. Métodos avançados, como machine learning, geram resultados conforme o entendimento do padrão dos dados inseridos, cuja análise pode apontar indícios de erros ou irregularidades.

Esses são exemplos sobre como a contabilidade e a auditoria podem usufruir da tecnologia para ganhar mais dinamismo, em um mundo de dados tão abundantes. É do interesse de toda a sociedade que esses dados se traduzam em informação válida e confiável. Conforme consta do código do IESBA (Conselho Internacional Emissor de Normas Éticas para Contadores), com tradução e convergência em nosso país realizadas pelo Conselho Federal de Contabilidade, em parceria com o Ibracon, o profissional não deve visar apenas à satisfação de um cliente ou organização. Tem, também, a responsabilidade de agir em prol do interesse público.

A questão que se coloca é se a tecnologia teria algum impacto na conduta ética do profissional cuja inclusão seria imprescindível no código do IESBA. Cabe destacar que este norteia-se por princípios e condutas abrangentes. Mesmo assim, na sua última revisão, que entrará em vigência em dezembro de 2021, o órgão objetivou promover a função e mentalidade esperadas dos profissionais de contabilidade. Os princípios fundamentais de ética permaneceram os mesmos: integridade, objetividade, competência e devido zelo, confidencialidade e comportamento profissional.

Porém, foram incluídas algumas relações com a tecnologia que poderiam influenciar esses princípios. No que se refere à objetividade, o órgão descreveu que este princípio não deve ser comprometido sob influência do uso de tecnologias: o profissional deve se manter objetivo e utilizar a tecnologia como sua aliada, mas com cuidado para que as novas tecnologias não gerem um viés e afetem seu julgamento. Ao exercer o julgamento profissional, é expresso no código que se deve evitar atuar sob influência ou dependência indevida de tecnologia, bem como de indivíduos e organizações. O ceticismo profissional continua sendo pilar fundamental e impossível de ser delegado a ferramentas automatizadas.

Outra inclusão na nova versão do código de ética refere-se à competência: é expresso o dever do profissional em se manter atualizado quanto ao uso de novas tecnologias, além dos desevolvimentos técnicos e profissionais. Essa exigência do IESBA vem da necessidade de que não se pode basear a habilidade do auditor somente nos conhecimentos técnicos, estes indispensáveis, mas que devem ser associados ao conhecimento de novas ferramentas e formas de trabalho.

Exemplo de como a tecnologia não pode substituir avaliações eminentemente humanas é o recrutamento feito por uma grande empresa, por meio de ferramenta de inteligência artificial. Como o sistema baseou os critérios de seleção em dados históricos, a relação dos candidatos selecionados apresentou discriminação de gênero. Uma publicação do ICAEW (Institute of Chartered Accountants in England and Wales) sobre ética, novas tecnologias e contabilidade reporta o episódio como evidência de como os recursos tecnológicos podem refletir problemas e preconceitos humanos, se não forem bem arquitetados.

O código do IESBA, em sua nova versão revisada, deixa claro que mudanças de tecnologia e evolução dos mercados financeiros fazem com que seja inviável apresentar uma lista estanque de serviços de não asseguração que as firmas podem fornecer aos clientes de auditoria sem afetar sua independência. Aí, cabe às auditorias independentes e seus profissionais utilizarem o framework conceitual previsto no Código de Ética, inclusive em eventuais situações específicas não previstas no documento.

Os trabalhos dos órgãos normalizadores ainda estão em curso e assuntos relacionados à ética/tecnologia serão alvos de constantes discussões. Os auditores independentes, como contadores e relevantes asseguradores de informações, são agentes ativos desse processo, seja por compreenderem os limites e implicações do uso de ferramentas automatizadas ou por entenderem seu papel no processo. Manter-se atualizado não é só uma questão de sobrevivência, mas também de ética e responsabilidade com seu cliente e com o público que deposita a confiança em seus trabalhos, sempre pautados pela lisura que se espera desses profissionais.

*Valdir Coscodai é presidente do Ibracon – Instituto de Auditoria Independente do Brasil