A
A
Balde
Teclado

Artigo: A desigualdade digital na auditoria independente

1 de fevereiro de 2022

Por Márcio Santos*

Em comentário na Assembleia Geral sobre Cooperação Digital e Conectividade, a secretária-geral adjunta da ONU, Amina Mohammed, apresentou uma estatística alarmante: 3,7 bilhões de pessoas são excluídas da internet, sendo a maioria mulheres e de países em desenvolvimento. O problema, causado pela impossibilidade de custear os serviços, desconhecimento de como usá-los e ignorância sobre seus benefícios, não se limita ao plano individual. Segundo a definição utilizada pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o termo digital divide, que vem sendo cada vez mais discutido, refere-se ao gap relativo às oportunidades de acesso a tecnologias e uso da Web entre indivíduos, famílias, negócios e áreas geográficas em condições socioeconômicas desiguais.

No universo corporativo, a situação é a mesma. Na área de auditoria independente, por exemplo, estudo de pesquisadores australianos, publicado em 2018 na revista acadêmica Journal of Accounting Literature, destaca que ferramentas modernas, como Big Data e data analytics, podem beneficiar a atividade, principalmente quando combinadas com as técnicas tradicionais da profissão. Porém, não é desprezível o gap na capacidade de investimentos entre as grandes e pequenas firmas ou pessoas físicas. Ressalve-se que a tecnologia também é uma questão de escala: é provável que uma firma maior necessite de mais recursos e de uma velocidade superior de transmissão de dados e investimentos em cybersecurity do que uma menor.

Cabe destacar, ainda, que, no novo Código de Ética editado pelo IESBA (International Ethics Standards Board for Accountants / Conselho Internacional de Normas de Ética para Contadores), vigente desde dezembro último, preveem-se expressamente a importância e a obrigatoriedade profissional de se manter atualizado com as novas tecnologias. Trata-se, assim, de uma questão fundamental para a competitividade e eficácia dos serviços. Em resposta ao aumento da demanda, tem sido crescente a oferta de ferramentas eficazes que proporcionam a conexão entre bancos de dados e a transferência de modo seguro, além da análise das informações extraídas. Com os cuidados referentes à privacidade e armazenamento dos dados, é possível criar soluções de baixo custo e customizáveis, a partir de programação em linguagens e uso de plataformas gratuitas.

A capacidade de investimento na aquisição de novas tecnologias pode variar. Entretanto, o problema quanto à habilidade de manuseio das ferramentas e ao conhecimento de seus benefícios extrapola o poder de compra. Apenas um profissional apto a operar as ferramentas e consciente de seus riscos e benefícios poderá tirar maior proveito delas. Para isso, há inúmeras opções para buscar qualificação, desde cursos de curta duração até bacharelados e MBAs voltados à data science.

A capacitação é fundamental para a redução da digital divide, juntamente com a expertise, conhecimento, discernimento, ceticismo e ética, virtudes imprescindíveis do auditor independente. É importante que o profissional entenda que a tecnologia é uma importante aliada, mas não substitui o exercício de seu julgamento profissional, sempre considerando que o talento e o intelecto humanos são os fatores que validam as evidências apontadas por sistemas automatizados.

A Federação Internacional dos Contadores (IFAC) mantém em seu site uma série de artigos sobre transformação digital. A entidade enfatiza que os primeiros passos estão relacionados a entender os desafios enfrentados pelas firmas, os planos para o futuro e como eles podem ser legitimados. Antes de se investir em novas tecnologias, é indispensável compreender quais são os problemas enfrentados. O avanço exige mudança de mentalidade nas empresas, sócios e colaboradores, assim como na cultura organizacional.

É inegável a necessidade do uso da tecnologia na auditoria independente. O alcance de soluções poderá ocorrer com criatividade e centrada na busca de capacitação. Afinal, antes de se pensar em investimentos, é necessário entender quais são os desafios que exigem resposta tech e compreender como e quais podem ser as soluções, pois são diversas as possibilidades de custo e efetividade disponíveis no mercado.

A transformação digital é a mudança de forma e substância que ocorre quando novas tecnologias e modelos mentais suportam um novo ambiente em que os modelos de negócios criam proposições de valor que desafiam em escala o mundo como conhecemos.

Em 2021, o Ibracon realizou alguns seminários sobre o tema, desde discussões sobre tecnologias antifraude até apresentação de ferramentas tecnológicas que podem auxiliar a auditoria independente. Conteúdo está disponível a todos os interessados, no site do instituto. Cabe ressaltar que a entidade conta com o Comitê de Tecnologia e Inovação, que trata do tema e de seus impactos na atividade e tem dedicado esforços na realização de eventos que abordam criptomoedas, blockchain e ferramentas capazes de atender às necessidades de firmas de todos os portes.

A tecnologia como aliada do setor é uma das Bandeiras da Auditoria Independente recém-lançadas pelo Ibracon e que estão no cerne das atividades por ele desenvolvidas. Alternativas tecnológicas não faltam para converter a transformação digital em diferencial competitivo e oportunidade de desenvolvimento profissional.

*Marcio Santos é líder do Comitê de Tecnologia e Inovação do Ibracon – Instituto de Auditoria Independente do Brasil.