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Artigo: Criação e asseguração de normas internacionais de sustentabilidade

16 de dezembro de 2021

*Por Valdir Coscodai

No dia dedicado às finanças na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-26), a IFRS Foundation, responsável pelo desenvolvimento das normas internacionais de contabilidade, anunciou a criação do ISSB (International Sustainability Standards Board), voltado à criação de normas internacionais de sustentabilidade. Sua instituição foi tema de amplas discussões no plano internacional.

Em setembro de 2020, a IFRS Foundation disponibilizou consulta pública para identificar a demanda dos investidores e stakeholders por informações relacionadas à sustentabilidade e se um órgão a ela ligado seria apropriado para discutir e propor normas internacionais na área. Mais de 570 comentários foram recebidos, a grande maioria com apoio à iniciativa, incluindo manifestação favorável da IOSCO, organização global das comissões de valores mobiliários, que via urgência na medida.

O foco inicial da proposta de normas de sustentabilidade será relacionado às mudanças climáticas, dada a urgência e impacto da questão no meio ambiente e na economia. A composição do ISSB conta com a participação ativa do CDSB – comitê de padrões de divulgações sobre o clima, iniciativa do CDP (Carbon Disclosure Project) da Value Reporting Foundation, criada a partir da fusão entre The International Integrated Reporting Council (IIRC) e Sustainability Accounting Standards Board (SASB). O compromisso é de que a consolidação do novo comitê ocorra até junho de 2022. A parceria com as duas poderosas estruturas de divulgação de ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança) já possibilita um início robusto para uma proposta mais coesa de normas.

Já existe um grupo de trabalho em atividade, com a participação do IASB, CDSB, TCFD (Task Force on Climate-related Financial Disclosures), Value Reporting Foundation e o Fórum Econômico Mundial. A IOSCO e o Comitê de Normas Internacionais de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público (IPSASB) também participam como observadores, e as atividades são supervisionadas pelos trustees da IFRS Foundation. Um protótipo de normas relacionadas ao clima foi divulgado por esse grupo de trabalho, que posteriormente passará pela consideração dos membros do recém-criado ISSB. As normas seriam representadas pela sigla IFRS, tal como as normas contábeis, acompanhadas com a letra S antes do número da norma, para diferenciá-las das IFRS contábeis (ex.: IFRS SX)

Cabe destacar que, na União Europeia, já existe uma legislação específica sobre a taxonomia, com definições claras se determinada atividade pode ser considerada sustentável e, consequentemente, se pode ser classificada como um investimento sustentável. Também está em discussão no bloco a obrigatoriedade de divulgação de informações não financeiras para um escopo maior de empresas, por meio da proposta com diretrizes para relatórios de sustentabilidade (Proposal for a Corporate Sustainability Reporting Directive – CSRD).

No Brasil, já há iniciativas da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) de incluir nos formulários de referência, documento obrigatório para companhias de capital aberto, informações sobre sustentabilidade, por meio da audiência pública 09/20. O Banco Central também editou normas relacionadas à elaboração de políticas de responsabilidade social, ambiental e climática pelas instituições financeiras e os requisitos para a divulgação do Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas (Relatório GRSAC), em linha com as recomendações do TCFD. Os relatórios de sustentabilidade das companhias abertas que usem a estrutura conceitual do Relato Integrado no Brasil estão obrigatoriamente sujeitos a asseguração limitada por auditor independente a partir de 2021.

Inclusive, atentos a esse fato e procurando atender às demandas dos reguladores, investidores e da própria sociedade por informações confiáveis, o Ibracon – Instituto de Auditoria Independente do Brasil criou um Grupo de Trabalho de Sustentabilidade e ESG que conta com especialistas no tema para acompanhar a sua evolução e dar respostas mais robustas quanto aos temas ambientais, sociais e de governança.

Esses são exemplos das discussões sobre iniciativas de regulamentação de informações não financeiras, além da proposta da criação de um standard setter como o ISSB. Como o tema tem sido amplamente debatido e é do interesse de investidores e consumidores, as discussões estão em avançado patamar. Um ponto importante para a qualidade e confiabilidade das informações é a discussão da sua asseguração, dentro de normas definidas, como as demonstrações financeiras das empresas. Afinal, sempre há o risco de fraudes.

Um avanço considerável em busca de uma divulgação de informações de sustentabilidade de alta qualidade foi dada com a criação do ISSB. Os progressos para um padrão de divulgação com relação ao clima foram destacados pelo presidente da IOSCO. A IFAC (Federação internacional de Contadores) também parabenizou a iniciativa da IFRS Foundation de ir ao encontro das expectativas dos investidores, com abordagem mais ampla e holística sobre o valor da empresa, levando em conta a sustentabilidade. A federação já divulgou uma abordagem de como poderá ser exitosa a criação de normas internacionais no tema, em combinação com exigências jurisdicionais locais, com abordagem de construção de blocos (Building Blocks Approach) e asseguração dos relatórios com base em padrões emitidos pelo ISSB.

O Ibracon aplaude a criação do ISSB, passo relevante para que as informações sobre ESG sejam comparáveis, mensuráveis e confiáveis. A credibilidade decorre também da asseguração dos relatórios por uma entidade isenta. Nesse sentido, os auditores independentes estão em constante aprimoramento e seguem rigoroso código de ética, podendo emprestar sua expertise aos investidores e à sociedade na missão de alinhar o desenvolvimento financeiro à sustentabilidade.

*Valdir Coscodai é o presidente do Ibracon – Instituto de Auditoria Independente do Brasil.